O caso do coronel Jorge Eduardo Naime coloca em rota de colisão dois pilares do direito: o princípio da presunção de inocência e o requisito de idoneidade moral para o exercício da advocacia, forçando a OAB a uma decisão sem precedentes.

Brasília– A aprovação do coronel da reserva da PMDF Jorge Eduardo Naime Barreto, réu em uma ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) pelos atos de 8 de janeiro de 2023, no 42º Exame da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), criou um dilema complexo e de alta repercussão para a instituição. Embora tenha cumprido todos os requisitos técnicos para obter sua inscrição profissional, Naime enfrenta a protelação da entrega de sua carteira de advogado, enquanto a OAB-DF avalia o caso.

O impasse expõe um debate fundamental: de um lado, a defesa do coronel, amparada por sua esposa, Mariana Naime, alega que a OAB estaria violando o princípio constitucional da presunção de inocência, uma vez que não há condenação transitada em julgado contra ele. “A OAB-DF segue se recusando a entregar sua carteira de advogado — o que o impede de exercer a advocacia e reconstruir sua vida profissional”, declarou Mariana, ressaltando que o marido preenche todos os critérios previstos no edital.

Do outro lado, a OAB-DF se apoia no Estatuto da Advocacia, que exige “idoneidade moral” como um dos requisitos para a inscrição nos quadros da Ordem. A Comissão de Seleção da entidade, ao analisar o pedido de Naime, reconheceu a ausência de condenação definitiva, mas ponderou que a ligação do coronel com os eventos do 8 de janeiro — um dos mais graves ataques à democracia brasileira — confere ao caso uma “elevada complexidade e repercussão institucional”.

8 de janeiro e o STF: defesa da ordem democrática ou excesso judicial?

O Conflito: Presunção de Inocência vs. Idoneidade Moral

A questão central que se impõe é: um réu, ainda que sem condenação final, por crimes contra o Estado Democrático de Direito possui a “idoneidade moral” necessária para ser um defensor da Constituição e das leis? Argumento pró-inscrição: A Constituição Federal é clara ao estabelecer que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Negar a inscrição com base em um processo em andamento seria, para essa corrente, uma antecipação de culpa, ferindo um direito fundamental do cidadão e um pilar do próprio direito que a OAB defende.

Argumento contra a inscrição imediata:

A OAB, como guardiã do exercício da advocacia, tem o dever de zelar pela ética e pela honra da profissão. O requisito de idoneidade moral é subjetivo e permite à Ordem analisar a conduta do bacharel para além de sua ficha criminal. A gravidade das acusações relacionadas ao 8 de janeiro, que atentaram contra as próprias instituições que um advogado jura defender, justificaria, segundo essa visão, uma cautela maior e uma análise mais profunda pelo órgão máximo da seccional.

Uma inscrição que não basta preencher o lado intelectual

Após receber o certificado de aprovação em março, Naime formalizou seu pedido de inscrição, apresentando a documentação exigida, incluindo a comprovação de sua passagem para a reserva remunerada da PM, o que o habilita legalmente a advogar.

A Comissão de Seleção da OAB-DF, em seu parecer, considerou o caso “juridicamente delicado, histórica e sociologicamente sensível”, optando por não decidir monocraticamente e enviar a questão para o Conselho Pleno da OAB-DF. Este colegiado, composto por dezenas de conselheiros, terá a responsabilidade de tomar a decisão final.

Em carta enviada à Ordem, Naime defendeu sua inocência e afirmou que sua atuação no 8 de janeiro, quando retornou ao trabalho mesmo estando de licença, visou “evitar o derramamento de sangue” e reafirmou seu compromisso com o Estado Democrático de Direito.

A decisão do Conselho Pleno, ainda sem data para ocorrer, não apenas selará o destino profissional do coronel Naime, mas também criará um precedente histórico sobre como a OAB deve equilibrar a presunção de inocência com a avaliação da idoneidade moral em casos de grande repercussão nacional. A sociedade e a comunidade jurídica aguardam para ver qual princípio prevalecerá.

veja mais

veja do mesmo autor

+ There are no comments

Add yours